11.8.14

Uma tribo de crianças

Há uns dias fui almoçar aos jardins da Gulbenkian num dia de semana, a vontade era de fazer uma pausa do ambiente do escritório, dos computadores e das luzes artificiais. Estava bom tempo e apeteceu-me ir dar uma volta, apanhar ar, comer qualquer coisa leve e ficar no meio do verde até que o dever me sugerisse voltar para a minha secretária.

Depois de procurar sombras por um bocado (todos os bancos estavam ocupados por casalinhos que partilhavam merendas), acabei por me decidir pelo auditório ao ar livre. Neste espaço agradável coabitavam várias pessoas, aos pares, sozinhas ou em grupo. Numa altura de colónias de férias infantis, corriam pelo palco do auditório grupos de crianças, entre os 4 e 7 anos, com camisolas e bonés coloridos para facilitar o trabalho de identificação aos monitores, que tentavam controlar (minimamente) o comportamento dos pequeninos diabretes. 


Dei por mim a observar uma menina loira, nos seus 6 anos, claramente maior que os restantes amiguinhos, mais alta e mais refilona. Esta criança chamou-me imediatamente a atenção, de forma inconsciente, pelo comportamento bully que tinha com as outras. Ela era má (sim, as crianças também podem ser más), intimidava os mais pequeninos, gritava com eles, metia-lhes medo, andava atrás deles, atirava-os ao chão e dizia que tinha sido sem querer. Por momentos esqueci-me que estava ali uma criança e tudo o que vi foi uma pessoa má. E pensei: numa tribo de crianças, vence a maior, a mais forte. Nestas idades, é tudo uma questão de tamanho e força. O maior é o que mete mais respeito, o que causa medo, o que tem mais força, o que consegue mais aliados que preferem ficar do lado do bully do que serem atingidos pelo bullying.

As crianças atingidas manifestavam-se, choravam, gritavam, iam embora, abandonavam as brincadeiras, apontavam os dedos inocentes e faziam valer os seus direitos, não se calavam. Durante um jogo das escondidas, uma delas disse “as regras não são assim, não é assim que se joga, assim já não jogo!” e foi embora. Não existiam constrangimentos sociais nos seus comportamentos, não se regiam pelo que “devia ser” ou “ficava bem”, porque nestas idades nem sequer sabem nada sobre isso, não é uma preocupação. A preocupação daquelas crianças era que se fizesse justiça, que o monitor pregasse um raspanete à menina má porque tinha feito coisas más.

Aquelas crianças inocentes tinham um sentido de justiça mais apurado do que muitos adultos. Penso que esse sentido de justiça se vai perdendo a fim de vivermos num mundo mais “civilizado”. Elas ainda não sabiam disso, vão viver e aprender. Era uma tribo de crianças, sem regras. Falavam e gritavam ao mesmo tempo, atropelavam-se, faziam valer o que consideravam certo, importavam-se por mostrar as coisas à sua maneira.

Voltando aos bullies, caso as pequenas crianças más não sejam educadas no sentido de não fazerem mal às restantes, não humilharem, não baterem, não magoarem, os pequenos fedelhos são potenciais adultos maus. No entanto, chegados à idade adulta, já não podem ser maus porque são os maiores, os mais altos, os mais fortes. Esta condição já não chega, não é suficiente. A menos que tenham poder. O poder é o que permite que os adultos maus exerçam a sua maldade.

Em crianças, os bullies são os maiores, os grandalhões da turma. Na vida adulta, os bullies são os poderosos. Claro que, ser o maior da turma ou ser poderoso não são características determinantes para se ser bully. Mas caso já esteja lá o “bichinho”, a tal propensão, inclinação, tendência para a maldade, o poder é fatal. Faz com que os bullies se revelem, no seu pior.

Fica a reflexão.







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